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Naturalmente você já foi a Disney?!

Texto do advogado Sadi Cordeiro de Oliveira. Boa Vista-Roraima. (23/11/2022) Sobre o vazamento do áudio do Ministro do TCU augusto nardes. (o nome próprio em minúsculo é por conta da liberdade de expressão).

Ariano Suassuna conta uma passagem em que num jantar com uma família da alta sociedade carioca a anfitriã dirigiu-se a ele daquela forma em que a gente pergunta afirmando a resposta que desejamos ouvir, sem se importar com o constrangimento que possa causar. Na ocasião a senhora perguntou afirmando ao surpreso Ariano. O senhor naturalmente já foi à Disney?!

Ariano Suassuna, ele mesmo conta que nunca saiu do Brasil embora pudesse descrever com detalhes a paisagem ou cultura de diversos países. E como ele fazia isso?! Na viagem fantástica que só os livros proporcionam.

Lembro o ano de 1986, copa do Mundo do México, trabalhando no rádio em Medianeira-PR, num tempo em que a equipe esportiva, obviamente sem patrocínio para ir à copa, reunia convidados para comentar o jogo que transmitíamos em cadeia de rádio (geralmente captávamos o áudio das Rádios Gaúcha ou Guaíba (esta, bem antes do Edir Macedo a comprar).

A empolgação com a copa era tanta que começávamos o sarau de entrevistas 15 dias antes do início da copa. Lembro de um dos convidados que se orgulhava (com razão) de ter ido as últimas quatro copas do mundo.

Eu, no pleno entusiasmo da juventude, empolgadíssimo com a minha primeira “transmissão” de copa do mundo, fiz a lição básica que (acredito) todo repórter deve fazer, que é ler um pouco sobre o país em que a copa vai ocorrer. Como não era (e não sou) entendido de futebol, cabia a mim ilustrar um pouco o sarau de entrevistas (que costumam entediar os não aficionados por futebol) com algumas curiosidades culturais, geográficas e turísticas do México.

Naquele tempo frequentávamos as bibliotecas, pesquisávamos em livros, jornais e revistas especializadas e, com base nisso eu podia falar alguma coisa sobre El Zócalo (a Plaza de la Constitucion da Cidade do México), a pirâmide de Teotihuacan e o Palacio Nacional, três dos dez maiores pontos turísticos do México, entre outras curiosidades que qualquer profissional minimamente interessado teria condições de saber, sem nunca ter ido ao México.

Ao final de um desses saraus, o convidado privilegiado que havia ido as últimas quatro copas de mundo e, de malas prontas para a copa do México, comentou ao microfone, “esse Sadi naturalmente já foi ao México para conhecer tanta coisa de la”, deixando-me obviamente lisonjeado com a audiência do rádio e, principalmente, com o meu chefe.

Em tempos de copa do mundo, mesmo que com algum esforço, acho que devemos “entrar no clima” para ao menos tentar afastar um pouco a sensação de jogo inacabado e restaurar a normalidade democrática do país, consolidada no voto universal, secreto e auditado. Ou como disse um outro amigo com um pouco de zoação e maldade, “enterrar o defunto que já morreu mas insiste em não cair”.

Digo isso porque a riqueza de vídeos e áudios daqueles que não aceitam o resultado soberano das urnas está produzindo um material humorístico que vai alimentar no mínimo uns dois carnavais. É impressionante a quantidade de cenas de histeria, de crença em fake news que de tão bizarras são capazes de fazer rir até o rabugento velho “Lunga”.

Brincadeiras à parte, zoação, fantasia e descompromisso são aceitáveis no ambiente alegre e informal do futebol onde qualquer um pode dar palpite sem o compromisso da comprovação ou das consequências. Falar de futebol e de copa do mundo cria um ambiente que nos permite a irresponsabilidade numa espécie de “vale-descontração”, mesmo que vivendo numa realidade política que exige atenção.

Mas quando falo “nos permite” estou falando de nós mesmos, pessoas comuns cuja opinião repercute num raio restrito do grupo de amigos e, em outras palavras: “não fede e nem cheira”.

E agora sobre responsabilidade.

Imaginemos o Papa Francisco fazendo piadinha no grupo de zap do Vaticano sobre uma “bombinha russa” que caiu na Ucrânia… ou sobre o míssil da Ucrânia que “caiu errado na Polônia”. Por mais que Francisco seja uma pessoa de trato comum, popular mesmo, a posição lhe exige um comportamento sóbrio e responsável, porque o que sai da sua boca gera consequências. Ninguém perdoaria o Papa mesmo que ele dissesse que foi… “uma mensagem privada…uma brincadeira fora de contexto gravada apressadamente num grupo de zap”. Com certeza o mundo cobraria a demissão e prisão do Papa!

Poderia citar outras personalidades como exemplo de comportamento (in) adequado ao cargo e função, mas para não polemizar vou ficar por aqui.

Não posso, porém, em homenagem a mínima inteligência humana, deixar de comentar o áudio vazado pelo ministro do TCU, o gaúcho augusto nardes, que aliás, frequenta Roraima assiduamente desde o golpe contra a presidenta Dilma.

Engraçado que depois da repercussão augusto nardes correu a dar explicações inverossímeis sobre a declaração. Aliás, já virou moda autoridade pública falar m…rda e depois dizer que foi “interpretada fora de contexto”.

A resposta dada por augusto nardes depois da repercussão só permite duas conclusões: 1ª) falou um monte de prosopopeia a um público suscetível e esperançoso desse tipo de informação jogando para a torcida e fazer crer que possua informação privilegiada da caserna; ou 2ª) é um falastrão do zap incentivando e iludindo um monte de pessoas a manter uma batalha sabidamente perdida da qual ele próprio não acredita, mas que se ocorrer certamente se beneficiará. Uma terceira conclusão virá ao final desse texto.

Não seria diferente: augusto nardes agiu tal qual sempre agem os …. àqueles que não assumem o que falam mas não pedem desculpas; disse que não disse o que disse, que foi mal interpretado em conversas privadas fora de contexto; que gravou “apressadamente” um áudio de mais de oito minutos; e … usando da prerrogativa de Ministro do TCU pediu licença médica e saiu de cena. Mas que ainda pretende falar de “alta governança pública” com o novo governo. Livrai-nos Senhor! Em qualquer lugar do mundo, declarações do tipo dariam cadeia.

Não sou afeito a prejulgamento mas é inevitável conjecturar a reação que teria o cara privilegiado que viajou as copas do mundo contado no início deste texto ao ouvir as declarações do nardes: se falou do golpe com a caserna, tem informação secreta do golpe, torce pelo golpe …. “naturalmente você é um golpista”.

Sadi Cordeiro de Oliveira

Advogado em Boa Vista-Roraima.

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